O ANACORETA

Envelhecido, trôpego[1], cansado,
Por ínvias
[2] matas, a expressão bravia,
Espalhava, brandindo
[3] o seu cajado[4],
Blasfêmia
[5], ódio, revolta e rebeldia.

Mas, quando o punho arremessava, um dia,
Contra o céu, num protesto alucinado,
Um pássaro pousou-lhe na mão fria
E o ninho fez na mão do desgraçado.

E ele quedou tranqüilo, o braço erguido,
Como uma árvore humana, embevecido
[6],
Para que a ave criasse os filhos seus.

Hoje que a terra é em flor para seus passos,
O anacoreta
[7] só levanta os braços
Ao céu, para pedir perdão a Deus!



(de Enamorado da Vida, 1937)

[1] TRÔPEGO: que anda com dificuldade.
[2] ÍNVIO: intransitável; em que não há caminho.
[3] BRANDIR: agitar com ou na mão.
[4] CAJADO: pau grosso usado para se apoiar.
[5] BLASFÊMIA: xingamento; palavras que ultrajam deuses ou religião.
[6] EMBEVECER: encantar, admirar.
[7] ANACORETA: pessoa que vive na solidão, longe da sociedade.