Que entre beijos e lágrimas dizia,
Ao ver seu grande filho que nascia
De olhos azuis e cabecinha loura.
Foi no palácio de uma estrebaria[1],
No berço de ouro de uma manjedoura[2].
Lá fora, em céu tranqüilo, uma estrela luzia.
A areia do areal machucada rangia:
Eram os passos dos camelos, eram
Três vultos numa sombra que crescia...
E os Reis Magos trouxeram
Para o Senhor do Mundo que dormia
Ouro, Mirra[3], Incenso.
Aleluia! Aleluia! Alegria! Alegria!
Um era preto como a noite,
Outro moreno como a tarde,
Outro era claro como o dia.
Ajoelharam-se trêmulos de espanto
Diante da estrela humana que nascia.
Mas, no silêncio, em torno, só se ouvia:
— “Filho! Serás feliz!” Sempre a voz de Maria
Martirizada[4], cadenciada[5].
Era mãe e previa
No seu saber profundo,
Como ia ser rude a jornada
E como sofreria
Seu pequenino Deus — Senhor do Mundo.
(de Quando vem baixando o crepúsculo, 1945)
[1] ESTREBARIA: local onde se recolhe o gado.
[2] MANJEDOURA: peça onde se põe comida para os animais na estrebaria.
[3] MIRRA: árvore da qual se extrai uma resina muito usada como incenso ou em perfumes e ungüentos.
[4] MARTIRIZADO: sofrido; atormentado; aflito.
[5] CADENCIADO: ritmado, pausado.