Quem canta assim à nossa porta,
Nessa voz que me desconforta?”
— “Meu filho! É o vento na noite morta.”
— “Ouves? Mudou, mudou agora:
Não canta mais; não canta, chora...
Minha Mãe! Como me apavora
A dor de quem sofre lá fora!”
“Dorme, meu filho! Há poucochinho[2]
O luar lavava todo o caminho,
E cantava... cantava baixinho,
Acalentando[3] o meu filhinho...
E o luar na sua voz dizia:
Há de sarar mal surja o dia.
Vai ser feliz como a alegria...”
(A mãe chorava... O filho sorria...)
Fechou os olhos... No seu sorriso
Pálido, vago, tênue[4], impreciso,
Havia um sonho de paraíso...
E a voz que uivava à porta,
Se extinguiu... Era a Moura-Torta...
Era a Morte, na noite morta.
(de Canto da Minha Terra, 1930)
[2] POUCOCHINHO: muito pouco, pouquinho.
[3] ACALENTAR: sossegar; cantar para adormecer.
[4] TÊNUE: fraco, muito pequeno.