O SOL QUE CANTA

Quando a cigarra canta é o sol que canta.
Por isso o canto dela acorda cedo
E vai rolando com veemência
[1] tanta
Que enche as grotas
[2], os campos e o arvoredo.

Desce aos vales, penetra na garganta
Da serra e acorda a pedra do rochedo.
Parece que da terra se levanta
Um punhado de pássaros com medo.

Em chispas
[3] de ouro e vibrações estranhas
Vibram clarins
[4] nas notas derramadas...
Estilhaçam-se taças nas montanhas...

E o sol, seguindo o canto que se alteia
[5],
Deita fogo na poeira das estradas
E põe pingos de luz nos grãos de areia.



(de Últimas Cigarras, 1920)

[1] VEEMÊNCIA: força, intesidade.
[2] GROTA: abertura que as enchentes fazem na margem de um rio.
[3] CHISPA: faísca, brilho rápido.
[4] CLARIM: instrumento musical de sopro, hoje apenas usado para sinais militares.
[5] ALTEAR: crescer, tornar mais alto.