DO MEU TEMPO...

Quando eu era menino e tinha cheia
A alma de sonhos bons e, fugidio
[1],
Como a abelha que voa da colméia,
Andava a errar no canavial bravio;

Quando em noites de junho o luar macio
Punha um lençol de rendas sobre a areia,
Tiritava
[2] de medo ouvindo o pio
Da coruja mais lúgubre
[3] da aldeia.

Feliz! Bendita essa primeira idade!
Andava como quem anda sonhando
De olhos abertos, com a felicidade.

Dormia tarde e enquanto dormia,
Mamãe rezava o padre-nosso e quando
Me mandava rezar eu não sabia.


(de Sonetos, 1912)

[1] FUGIDIO: acostumado a fugir.
[2] TIRITAR: tremer.
[3] LÚGUBRE: que dá medo.