As crianças cantavam... Cantava a areia no chão:
“Acudiram três cavaleiros,
Todos três de chapéu na mão...”
“O primeiro foi teu pai,
O segundo teu irmão,
O terceiro foi aquele
Que à Teresa deu a mão...”
Ó alegria de viver sonhando!
Ter a alma alegre como o sino da matriz
Que no canto que canta vai cantando:
— Ó criatura de Deus! Canta e serás feliz!
Canta e terás o céu, cheio de astros, na palma
Da tua breve e pequenina mão,
Por todas a janelas da tua alma
Flores e borboletas entrarão...
Pelos teus olhos, entre invernias[1] e açoites[2],
A tua vida de ave prisioneira
Passará; mas, um dia, aberto em flor,
Terás, ó minha gata borralheira,
Como um conto das “Mil e uma noites”,
O teu momento lírico[3] de amor...
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Quando o jardim ficou sozinho,
Ermo[4] de vozes, triste de esperanças,
Como o farrapo de alma que anda em mim,
As estrelas do céu vieram devagarinho
E, vestindo os vestidos das crianças,
Puseram-se a dançar e a cantar no jardim...
(de Canto da Minha Terra, 1930)
[1] INVERNIA: inverno rigoroso.[2] AÇOITE: bater, castigo, flagelo.
[3] LÍRICO: sentimental; sonhador; apaixonado.
[4] ERMO: solitário, deserto, sem ninguém.