Enfuna-o[1]. É noite de luar...
Ouve-se em torno o vozerio
De mil garotos a gritar.
A rua quieta do arrabalde[2]
Vibra, entusiasma-se, por ver
O grande bojo d’oiro e jalde[3]
Nas nuvens desaparecer...
O vento o impele, a noite o abraça...
Vai indo leve... Quem o vir,
Não sabe o giro que ele traça...
Não sabe onde ele vai cair...
Sobre os telhados, sobre as casas,
Passa a galgar[4] os céus azuis:
Pássaro d’oiro abrindo as asas...
Como esse pássaro reluz[5]!
As estrelas, na noite clara,
Olham-se cheias de emoção:
“Que estrela é aquela que não pára?
Tem a forma de um coração!
Por que motivo ela se esconde
De nós num vôo de albatroz?
Não nos ouve? Não nos responde?
Por que, enfim, não vem até nós?”
E o balão vai indo... vai indo
Dentro do céu branco e sem véu.
Quanto mais longe está, mais lindo...
É a maior estrela do céu...
Atrás dele, cruzando ruas,
Os garotos vão a gritar...
Olhos no céu, as pernas nuas,
Os braços oscilando[6] no ar...
................................................
Há muita gente desgraçada
Na vida que se obstina[7], em vão,
Em correr, como a garotada,
Atrás de simples ilusão...
(de Destino, 1931)
[1] ENFUNAR: inchar; encher de vento.
[2] ARRABALDE: cercanias de uma cidade ou povoação; subúrbio.
[3] JALDE: amarelo vivo; da cor do ouro.
[4] GALGAR: subir; elevar-se.
[5] RELUZIR: brilhar.
[6] OSCILAR: balançar.
[7] OBSTINAR: teimar.