TRONCO DESERTO

Era um tronco florido entre o arvoredo:
Mal vinha a madrugada despontando,
Dele emanava um ruído muito brando
Como se fosse apenas um segredo.

Depois foi indo e se desenrolando,
Abriu-se em canto, e as árvores, com medo,
Quedaram-se
[1], de súbito, escutando
Voz tão aguda
[2], de manhã tão cedo.

Mas o tronco ficou abandonado
Porque a cigarra, ébria
[3] de firmamento[4],
Partiu cantando, boêmia e tagarela;

Hoje, que o dia é lindo e o céu doirado,
Ainda se escuta, quando passa o vento,
O som longínquo da cantiga dela.



(de Últimas Cigarras, 1920)

[1] QUEDAR: parar.
[2] AGUDO: forte e fino.
[3] ÉBRIO: tonto, embriagado.
[4] FIRMAMENTO: céu.